o feminino de Marília Mendonça

 

    Mais que a sua voz, Marília, suas letras, seu talento, o tanto que você sente e sofre, o jeito que você bebe. O seu jeito. Que não é nada específico, não se define melhor do que simplesmente chamando de seu. Ali quando eu também comecei viver do meu, ver você vivendo do seu me inspirava. Daí eu queria sentar com você pra tomar cerveja e rir de bobagens, eu sei que a gente seria muito amiga, eu me via em você. Não que eu cante nem componha, não que eu toque violão. Não sou goiana nem loira, nem nada. Mas em um nível subjetivo maluco, cada dia mais eu me via em você. Cada dia mais eu gostava de você porque também gostava mais de mim. Planejei te contar tudo isso quando a gente se encontrasse, eu tinha certeza absoluta que te encontraria um dia. Cansei de ensaiar no banho o que eu te diria quando esse dia chegasse. Não sei o que fazer com isso agora. 
    Quando morre alguém que a gente ama, morre uma parte da gente junto. Com você morreu um pedaço meu que eu tinha acabado de conhecer, pelo qual eu tinha acabado de me apaixonar. A sua relação com você mesma, na intensidade e honestidade que sempre teve, foi a minha maior inspiração feminina. Seu jeito de viver seu feminino me ajudou a viver o meu e eu sou uma pessoa diferente hoje por causa de você (e da terapia). 
    O imponderável da vida deveria ter limite. Um avião bateu em um fio, Marília, o seu avião bateu em um fio e você morreu. Tudo isso que eu tô escrevendo aqui, tudo que eu sinto, toda essa elaboração. Não sei o que fazer com isso agora. Acho que faz parte desse caminho que agora eu sei chorar meus lutos e talvez eu esteja em um processo retroativo, que seja. Mas ainda dói demais. Você foi a minha gota d'água.

    Um mês sem Marília e eu continuo chorando.