bem-me-quer, vá-se-foder

Eu poderia citar Heráclito, com a coisa do rio, ou Locke, com o lance da tábula rasa. A ideia de que a gente está em constante transformação não é nova nem original. Ainda assim, é uma das coisas mais difíceis de se compreender e de se aceitar. Porque somos negativos por natureza, o pessimismo é uma condição default, que eu já não sei se é assim mesmo ou se é influência do meio. Aliás, dá pra se perguntar se a coisa é assim ou se é influência do meio quando falamos sobre toda e qualquer característica humana. E animal. E vegetal. Ou seja. Que seja, o pessimismo paira sobre as nossas cabeças que nem um fantasminha gelado e te digo que tanto é assim que tem gente que vai no Centro e pede pra gente tirar o fantasma. Muita gente pede pra tirar coisa no Centro que são coisas da própria pessoa. Acho que é mais fácil atribuir o mal a uma fonte exógena, né? É mais fácil ter encosto do que ter responsabilidade.

Daí o texto tomou um rumo diferente do que eu queria. Porque o que eu queria mesmo era falar da complexidade e fragilidade das nossas relações, dos nossos sentimentos. A loucura caótica da infinita evolução faz com que seja impossível ter certeza de nada. Eu te amo. O eu de agora ama o você de agora. Mas assim que o agora mudar, eu terei mudado, você terá mudado. Será que eu continuo te amando?

Se o raciocínio parasse aqui, eu seria puro desespero. Mas não sou, porque não parou e isso tudo não quer dizer que os sentimentos e as relações estão em constante eminencia de se quebrar pra sempre. Aliás, quer dizer isso sim. Só que quer dizer também que existe aí uma elasticidade que a gente tem que considerar. Eu te amo, mas tem hora que eu quero arrancar a sua cabeça fora. Depois te amo de novo. Tá tudo bem. O amor não é pra sempre mas o desamor pode também não ser. Senão, o que seria do perdão? 

E foi assim que eu quase segui o caminho do happily ever after, não fosse uma dúvida que anda me atormentando: e a confiança? Eu consigo entender que as vezes eu não te amo, pra depois te amar mais ainda. Mas não sei o que faço quando a contingência muda e, de repente, a confiança esticou tanto que eu nem consigo mais te ver do lado de lá. Essa relação é a mais delicada de todas, a que mais sofre com o efeito borboleta. E no momento, o tufão tá comendo minha cabeça com molho madeira e batatas on the side.