o Alaska
Quando eu descobri que eu ia para o Alaska, eu não quis. Não era bem uma questão de opção, eu não escolho o itinerário do navio. Mas tentei sair daquele que ia para o Alaska. Pelos motivos mais babacas, inclusive. Eu já fui muito babaca. Hoje sou menos. Mas na época a babaquice era que eu não queria ir porque eu não gostava de frio. Veja se tem cabimento não querer conhecer um dos lugares mais inabitados do planeta, dos mais incríveis, porque aqui em São Paulo o frio me incomodava.
Acabei indo. Tinha medo de que ficasse frio dentro do navio, tinha medo de iceberg. E iceberg foi justamente a primeira coisa que eu vi no Alaska. Olhando meio que sem querer pela janela, passa aquele monstro branco bem do meu lado. Pirei. E quando a gente chegou na geleira de Tracy Arm, depois de passar por mais uma cacetada de icebergs, estava no meu schedule subir com as crianças para a área externa, onde eles iriam brincar ao ar livre e observar a paisagem.
Nada nesse mundo poderia ter me preparado para aquilo. Nada. Nem as 79 pessoas me dizendo que era a coisa mais linda, nem meus managers recomendando que eu fosse antes porque não ia conseguir me concentrar no trabalho, nem as crianças chegando alucinadas lá de fora. Quando eu saí no deck e olhei para os lados, o ar fugiu dos meus pulmões. Breathtaking. Literalmente, de tirar o fôlego. Nunca, nada no mundo me tirou o fôlego. A sensação era de estar em outro planeta. Eu estava em um navio gigantesco, mas que parecia mínimo entre as montanhas que passavam tão perto de cada lado, que parecia que daria para encostar na pedra se a gente colocasse o bracinho pra fora. E eram montanhas cobertas de pinheiros e neve, contrastando com um céu azul maravilhoso e um frio seco, que deixava tudo mais incrível. Levei uns 7 minutos para conseguir falar. Eu chorava de emoção, eu não soube lidar com aquele momento. Me fugiram as palavras em português, em inglês, em espanhol. Eu só conseguia me forçar a respirar. Aquele momento eu nunca vou esquecer, o momento que eu vi o Alaska pela primeira vez.
A experiência foi ficando cada vez mais impressionante. O ar, a comida, as pessoas, as cidades. Tudo no Alaska é espetacular. Um dia fizemos uma trilha por uma floresta em Skagway, que terminou com uma descida de caiaque pelo rio que desemboca no mar. De repente eu me imaginava em relação ao globo, no lugar que eu estava do planeta. De onde eu saí, por onde eu passei, o que eu vivi e como eu estava, de repente, em um caiaque descendo um rio em Skagway, do outro lado do mundo. A vida tomou outro sentido naquele dia. A relatividade chegou com dois pés no peito.
Essa mesma relatividade virou uma outra coisa que eu ainda não consegui nomear em dois outros momentos. No dia que eu vi a aurora boreal e no dia que eu fui de helicóptero para um acampamento de cães de corrida que puxavam trenó e dei uma volta com eles. Essas duas coisas me mudaram, de um jeito que só a natureza e a perda da noção de realidade pode mudar a vida de alguém. Pensando bem agora, acho que o Alaska me deixou menos babaca, me fazendo entender que eu não sou porra nenhuma, que eu não sei porra nenhuma e que a vida e o mundo são infinitamente maiores do que sonha minha compreensão. Talvez tenha sido aí que meu coração se abriu mais para os aprendizados da nossa existência. Talvez, inclusive, já esteja na hora de voltar para o Alaska.
De tudo que eu vi nesses 27 anos, de tudo que me impressionou me levou pedaços do coração, nada se compara ao Alaska. Se puder, um dia, visite o Alaska. E me leve.