depois eu falo
Ah, a procrastinação! Tão bela filosofia disseminada pelas redes que compõem a minha geração, tão essencial característica do jovem moderno, tão escrota característica inclusive. A gente romantiza umas coisas que não dá pra entender, sinceramente. Por que a gente acha bonito falar que procrastina? Puta falta de responsabilidade, puta imbecilidade. Pra quê? Pra dizer que a gente se rende às belezas do dolce far niente? Não, é troxisse isso. Aliás, a gente também romantiza ser troxa. E eu, com essa minha mente super independente ao contrário, com essa minha força pra nadar contra nenhuma corrente, me deixo levar pelas tendências. Eu procrastino, eu sou troxa. E a combinação das duas coisas me leva à fatalidades irreversíveis, que também é uma característica de toda fatalidade: ser irreversível.
E como eu queria falar da minha procrastinação de trabalhos e estudos! Oh, glória. Queria eu resumir minha inconformação à uma louça que eu deixo de lavar na hora. Queria eu procrastinar pra assistir netflix e atrasar uns relatórios. Queria que minha punição fosse virar madrugada estudando. Não, eu me organizo. Eu faço tudo no deadline, eu tenho plena noção do quanto de tempo eu demoro para terminar cada coisa. Uso o prazo inteiro? Sim. É pra terça, eu só começo segunda? Sim também. Mas esse aí não chama procrastinação, chama ajeitar prioridades, chama não ser neurotiquinha (embora seja sim). Minha punição vem brincando de analogia com a minha pseudo-ousadia. O meu problema é que eu engulo.
Procrastinar para amanhã, pra depois, pra nunca as coisas que eu não posso mais engolir. Deixar pra falar outro dia, chorar outro dia, brigar outro dia - logo eu! Satanáries, rainha das tretas, deusa da discórdia, Madame Soy Contra. Cês acham que conhecem, cês acham que me ganham. Nem eu conheço, mano, eu só me perco. Minha defesa é atacar pra não precisar realmente me defender. Eu odeio treta. Eu sinto cheiro de treta e eu quero correr, eu quero morrer, eu engulo.
Lá vem a fatura.
Descendo a ladeira.
Nem posso falar que ela me pega de surpresa porque eu tenho uma tensão pré-choro fortíssima. Eu sei quando o timer tá pra disparar, eu sei quando a merda tá pra acontecer. Eu sei como vai ser, eu sei quantos copos eu tenho que tomar pra deflagar. E tomo. Deixo vir. Preciso disso. É uma foda só chorar a cada 8 meses ou coisa do tipo. É ridículo não conseguir ter pequenos surtos e furar o dedo com o garfo sem querer. Será que todo mundo é assim? Todo mundo deixa juntar todas as dores pra explodir tudo de uma vez? Todo mundo procrastina a emoção?
Não, cara, tem gente que cospe. Tem gente que não junta nada, paga os carnê tudo em dia. Tem gente que consegue falar, tem gente que consegue não estar nem aí se falou ou não. Tem gente que tem o travesseiro mais maneiro que o meu, conta de luz bem mais barata que a minha, só economizando das tretas homéricas que eu fantasio no banho. Eu falo tudo, só que é pro nada. O nada não ouve, não reage. É igual não falar nada. E inclusive é isso que me fode: você não reage. É como se eu não tivesse falado nada, da importância que eu dou, você nunca ouviu falar.
Ascendente em câncer.
Lua em foda-se.