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A primeira memória que eu tenho com futebol foi a final da Copa de 94, que a gente assistiu em Ubatuba na casa da Di, e a Tata fez pipoca doce colorida de verde e amarelo. Eu sei que não começou ali, porque com 6 anos eu já sabia a escalação inteira da seleção, mas o tetra com certeza consolidou alguma coisa em mim. Depois eu lembro de eu jogando bola com os moleques do meu prédio, eu descalça e eles de chuteira: perdi a unha do dedão. Doeu bastante. Doeu também quando eu fui arrancar os dentes de leite (eles nunca caíam sozinhos, véi) e o meu padrinho arrancou logo 6 de uma vez. Aí ele disse que eu não podia comer coisa quente nem muito dura.
- Mas pode jogar bola?
Meu pai deu muita risada, ele tinha muito orgulho da filha futebolista dele. Falou bastante desse orgulho todo pro cara que tava tomando cerveja no hotel, alguns anos depois. A gente estava no hotel Plazza, onde sempre rolava uma bolinha e eu sempre jogava com os meninos, claro. O cara que estava conversando com o meu pai durante aquela cerveja era um diretor de alguma coisa do Palmeiras. Ele disse que se eu quisesse, a vaga no time era minha. Eu poderia começar a treinar na semana seguinte. Naquela época o feminino nem tinha peneira, era só ir. Eu tinha 11 anos, estava de férias antes de começar a oitava série e já estava matriculada no cursinho pré-vestibulinho. Meu irmão tinha entrado em uma escola técnica e eu também queria entrar.
Queria.
A oportunidade de treinar de verdade no Palmeiras, com meninas que também sabiam jogar futebol foi tentadora demais para os planos que eu tinha feito. Meu pai topou na hora, minha mãe teimou comigo que era melhor não. Mas a escolha eu já tinha feito no meu coração e na segunda-feira eu fui cancelar minha matrícula no cursinho. Na terça já tinha treino.
Comecei treinando no sub-12 e fui crescendo com o time, viajei o Brasil inteiro jogando os campeonatos e fui ganhando destaque ao longo do tempo. Mas um belo dia, já com 16 anos, uma peneira me parou. Foi triste porque não foi por falta de talento: eu torci o pé violentamente no aquecimento, precisei de cirurgia. Não poderia mais jogar. Com o amor que eu tinha pelo esporte, fui estudar educação física. Na faculdade, que eu fazia a noite, a galera falava muito de trampo com recreação. Sempre gostei. Fui atrás. Hotel, Julilala, navio, Nurse, Disney e o resto vocês conhecem, tô aqui. Mas será que eu fiz inglês?
Mentira, não machuquei não. Continuei jogando bola, bela e plena, passando em peneira atrás de peneira, me interessei por campo, por mar e virei sereia. Da Vila. A idade vem pra todo mundo, a carreira uma hora teria que encerrar. Pra continuar por aqui, resolvi voltar a estudar. Sem pagar, UNIFESP Santos, tô aqui. Ou será que o final não foi tão feliz assim? Será que o caminho foi outro em outro Universo paralelo. O que será que aconteceria se naquele dia, com 11 anos, eu tivesse escolhido o Palmeiras, se eu tivesse considerado a outra opção - que eu nem considerei na época, na real. Eu tinha cansado de ouvir que futebol era coisa de menino, eu já tava pronta pra ser menina. Eram outros tempos.
Mas e se não fossem?