umbanda preta, umbandista branca

Ando lendo e estudando mais sobre racismo nos últimos tempos. Eu também não sou racista, que nem você, e fico apavorada da possibilidade de ser chamada de algo tão sub-humano assim. Também como você, eu amo e respeito as pessoas independentemente da cor e acho que racista nem é gente, é verme. Que bom que a gente concorda com isso, né? Mas a gente errou. A gente é racista sim. Djamila me ensinou que a gente nunca pode dizer que não é racista porque a gente mora dentro do racismo, a gente nasceu e cresceu no racismo. A nossa inconformação antirracista tem que vir em forma de atitude, a todo tempo. O tempo todo tentando ser menos racista do que antes, é um processo. Hoje a gente tá assistindo e participando da destruição da pontinha do iceberg - que é branco, profundo e gelado, sem metáfora.
Existem milhares de pessoas que têm mais propriedade para falar sobre isso tudo do que eu, principalmente pessoas pretas. Não posso deixar de recomendar o Pequeno Manual Antirracista. Mas eu mesma vim falar de um outro ponto de vista.

Eu sou umbandista, você sabe. Meu pai era umbandista, minha família é umbandista, eu frequento centro, eu sou mãe de Santo, eu amo minha religião. Sempre achei curioso que, apesar da umbanda ser uma religião de matriz africana, a maioria das pessoas do meu centro são brancas ou asiáticas, pouquíssimos médiuns negros. Eu achava que era um bom sinal, que queria dizer que também os brancos estavam aprendendo e vivendo parte da cultura africana, com palavras do yorubá em seu vocabulário e com Orixás e guias pretos em seus corações. Hoje eu vi [ esse vídeo ] da maravilhosa Karen Carvalho e, juntando as peças de outras reflexões que eu vinha fazendo, entendi que não é bem assim. Falta preto no terreiro porque o racismo afastou até as origens ancestrais do negro, demonizou tudo que veio de lá. E que para o branco é bonito e místico esse acesso à macumba. A gente vive 1 centésimo do racismo quando a gente sofre com a intolerância religiosa. Já parou pra pensar que as pessoas são intolerantes com a gente justamente porque a umbanda é afro, é preta? E a umbandista branca aqui chora quando tem que esconder a guia do patrão pra não ser demitida. Imagine como deve ser pra quem é a guia.  
Nesse vídeo da Karen eu também percebi que eu nunca passei por nem metade das coisas que ela fala, nunca ninguém atribuiu meu sucesso à macumba nem nada do tipo. Eu sou branca. Eu sou branca praticante de uma religião que, embora brasileira, é africana, é preta. E eu devo sempre lembrar disso a cada momento dentro do terreiro. É minha obrigação trazer o atravessamento racial pras nossas discussões e é com o meu privilégio que eu devo atingir quanto mais pessoas eu puder com essa mensagem. Então eu convido você, umbandista, a levar essas reflexões pra prática da sua fé também. É nosso dever.


A arte é do meu artista favorito Senegambia :)