Disney Cruise Line

Eu trabalhava pro símbolo maior do imperialismo americano, que ataca a gente ainda no útero e coloca um logo nas mais tenras memórias da nossa infância. Que cresce com a gente, que é nossa música favorita, que é tão misturado com a nossa história branca privilegiada que nem parece que a gente é colonizado. A maior empresa de entretenimento do mundo, um monopólio capitalista, e eu lá brincando com filhote de red neck. É absolutamente contra tudo que eu acredito hoje e era UMA DELÍCIA. Foi uma época mágica e maravilhosa que parece que eu nunca vou superar. Aquilo foi formador de caráter pra mim, conheci alguns dos meus melhores amigos e tive as experiências talvez mais marcantes e incríveis da minha vida (que é inteira marcante e incrível). Eu olho pra essa foto e eu sinto O CHEIRO do carpete, eu sinto a textura do tecido da camiseta. Eu sinto orgulho.



Youth Counselor na Disney Cruise Line era, na época e talvez ainda hoje, um dos pontos mais altos que se podia chegar na recreação. E eu era MUITO BOA no que eu fazia, eu era extremamente reconhecida por isso e diversas vezes eu ouvi dos meus muitos chefes que eles queriam que eu fizesse carreira lá. De fato eu fiz, fui promovida a Nursery Assistant Manager (gerente do berçário) com 1 ano e meio de casa, um cargo que pessoas que estavam lá há mais de 5 anos almejavam e não conseguiram (daí fizeram o inferno na minha vida por causa disso mas fodase).  Na Disney eu era pica. E sair de lá foi uma decisão extremamente consciente e alinhada com os meus ideais de mundo. Que orgulho. Vivi pelo tempo suficiente que meu benefício próprio e diversão fossem mais pesados que as humilhações que eu vivia e participava. A negligência parental implicada no trabalho era suportável enquanto eram crianças de 3 anos ou mais, ainda que muitas vezes doesse muito o choro dos que não queriam brincar mas eram largados lá com a gente. Quando eu fui pro berçário e aí passou a ser com bebês de 3 meses eu durei muito pouco. Não queria fazer parte daquilo, mesmo sabendo que eu fui substituída no mesmo instante que resolvi sair. Ainda assim, princípios, né? E hoje eu morro de saudade de muita coisa, mas nunca me arrependi de ter saído. 

Além disso, eu lá era classe operária, era resistência. Eu zoava americano em português, eu defendia o comunismo, eu fazia eles entrarem em auto-combustão de ódio nas discussões políticas. Levei a palavra das maravilhas do Brasil pra crianças e adultos, ensinei uns pelego a brincar de esconde-esconde da forma correta e não do jeito imbecil que eles faziam. Ensinei a fazer espadinha de 7 de setembro com jornal, mas fiz o rebranding e chamei de espada de pirata - que era para menino e menina. Aloprava o machismo que surgia de vez em quando, meninas armadas. Fiz também frigideiras do Flynn Rider (José Bezerra, de Enrolados) com pratinho de papelão, eu era a rainha do artesanato violento. Inventei uma cacetada de brincadeira, coloquei vestido no menino que gostava de princesa escondido do pai dele. E também escondida eu dava beijo na testa e abraço apertado nas crianças mais renegadas (nas menos também) porque era proibido. Eu fiz bonito ali, fiz o melhor que pude. É só isso que dá mesmo pra fazer.