o medo do medo que dá
Um dia tive medo de você. Uns dias, muitos dias. Muitas noites com a luz do corredor acesa, com a coberta até os olhos pra você não me pegar. Não podia olhar embaixo da cama porque você estava lá. E no banheiro escuro também. Eram todos os lugares que eu sabia que podia ir porque era seguro, mas você aparecia, fruto do lado mais obscuro da minha imaginação. Você é o próprio medo, uma onda gelada que ia da garganta até a boca do estômago. O medo que não me deixava dormir, não me deixava viver. O medo que eu sentia todo dia, mas que agora já não sinto mais. Não tenho mais medo do meu medo maior.
Já disse isso outras vezes e outras vezes te vi rir de mim, que tremia outra vez, na cama outra vez, com medo outra vez. Mas não dessa vez. Não tenho mais medo, ó medo meu. Porque agora eu sei e todo dia eu sei mais, cada dia eu sei mais. Sei que você é um urubuzinho que se alimenta dos frutos que você mesmo planta na minha cabeça. E que safra boa, fertilizada com a merda em abundância que tem aqui. Mas não tem mais frutinhos não porque eu nem visito mais essa sua plantação. Morrem todos os frutos do medo nessa minha cityville particular. Morre o medo de fome porque não tem do que se alimentar. E sai de mim.
Agora eu sei como eu sempre soube que você não está aqui de verdade. Que você é a sombra da minha bondade. Eu sei como eu sempre soube que não tenho porquê ter medo não. Porque se você se aproximar, neguinho, se o friozinho começar... é só eu acender a luz.