o paradoxo

Uma das merdas de ter tido um tumor que sumiu é que, bom, antes de mais nada, você não consegue falar disso sem parecer uma drama queen querendo atenção. Eu acho que ri tanto desse vídeo porque é mais ou menos a reação das pessoas quando eu falava a palavra tumor. Compreensível, mas enfim.
A outra merda é a consciência e o peso que ela passa a ter - o que é, na verdade, uma coisa boa né? Eu sou uma pessoa muito mais consciente, por assim dizer. Mas o novo peso dela me coloca em um paradoxo muito pior do que viajar no tempo e matar o seus pais. Isso porque eu perdi o direito de ficar triste por qualquer coisa menor que uma doença pior. Aquela liberdade de sofrer por coisas que são sofríveis mas não são nada perto de um tumor, sabe? Não existe mais. Eu não posso ter mais saudade, nem não entender as peripécias da vida, nem me irritar com a Lei de Murphy. Passar o dia ouvindo música fossa? Jamais. Não posso ficar triste com isso, apanhar disso se - em tese - eu já passei por coisa pior.


Tese, né? Porque eu mesma num fiz nada. O milagre foi em mim mas não foi operado pelas minhas mãos. Ironicamente, me ajudaram também pessoas que hoje eu não faço questão de falar por mais de 5 minutos. E pessoas que não podem pisar mais na minha casa nem pintadas de ouro. Engraçado né? Dizem que eu participei com o meu merecimento. Porque eu sou boazinha? Eu olho pros dois lados antes de atravessar a rua e jogo latinha no cesto de alumínio. Assim é a minha bondade porque eu nunca doei um rim nem tomei uma bala por ninguém. Sei lá. Não questiono nem reclamo. Tá ótimo assim.
Mas não poder fossear em paz me deixa desesperada. Eu queria parar. Não fazer nada, não falar com ninguém. Chorar, porra! Chorar em paz. Não posso, não com esse motivo tão maior para ser feliz. Fico paranoica com essa coisa de que o pensamento tem poder e atrai as coisas. Não consigo me lamentar pro freecell sem desesperadamente pensar em happy places e happy moments pra não atrair nada de ruim.
Tenho medo da retaliação também. Medo do Universo resolver que se eu tô com frescurinha de meros mortais, eu já mereço uma rasteira fisiológica de novo. Que nem criança que chora por tudo, dai a mãe vai lá e bate nela pra ela ter motivo pra chorar, sabe? E a gente sabe que funciona. Pior é que funciona.