o aniversário do popi pai

Eu não ia escrever textão porque textão em data assim, quando o assunto é papai que morreu e tal, o povo fica comovidinho, dá uns like meio que na obrigação porque pô, o pai da mina morreu. Não curto muito essas coisas, talvez porque eu tenha uma percepção da morte meio diferente. Sim, eu sou diferentona, compreensiva, a evoluída, barroca. Mas é porque eu acho que o medo da coisa - como sempre - é muito maior do que a coisa em si. O medo de perder alguém que a gente ama tanto, o medo da dor que a gente sentiria em uma situação dessa, é muito maior do que é realmente. Essa dor é um sentimento imensurável, indescritível, muito difícil de compreender. Aquilo tudo que a gente demonstra tem muito mais a ver com culpa. A gente sente culpa porque a dor de perder o pai é muito menos expressável do que se mostra na tv, muito mais interna do que a gente pensa que tem que ser. Não é aquela coisa de chorar encostada na porta e ir descendo até o chão. Na verdade, eu nem chamaria essa dor de dor. É uma mistura de sentimentos conhecidos que parecem dor, saudade, vácuo misturados. Mas não dói com nocireceptores, mesmo daqueles do sistema límbico, mais subjetivos. E a gente acha que deveria, sente culpa, reage nessa culpa. Faz textão. Por isso eu não queria fazer textão, mas já tô fazendo.
Isso porque hoje, que é aniversário do meu pai, eu queria escrever uma mensagem pra ele. Que eu vou ler em voz alta depois, e a presença espiritual/macumbística dele com certeza vai ouvir. 
Cada dia que passa, cada nova coisa que acontece na minha vida eu percebo mais e mais sua presença em mim. Eu sou muito filha do meu pai. Por isso eu queria te agradecer.Eu não herdei só os olhos e o temperamentinho explosivo. Eu herdei também a fidelidade aos princípios e - pasme, mundo - a razão. A razão que eu ignoro em mim em todo e qualquer teste psicológico, em qualquer adjetivação que me descreva, nas quais eu sou sempre emoção. E sou, também herdei isso de você. Mas hoje eu percebo que é uma emoção que anda de mãozinha dada com a razão. Há sentido na minha loucura, há uma lógica sendo seguida em cada surto, em cada berro, em cada descontrole. O karma me trouxe pra sentir na pele e viver tudo aquilo que um dia eu critiquei em você. Eu sou muito do que eu brigava com você por ser. Mas não acho isso ruim, não considero um castigo. Acho ótimo. Desde o dia do seu velório eu passei a - conscientemente - querer ser tão parecida com você quanto possível. Na sua última festa foi que eu pôde ver a dimensão da sua existência, o quanto o mundo mudou com a sua passagem por aqui. Não sinto aquela culpa de só ter me dado conta disso no esquema póstumo - só assim se pode observar a coisa por inteiro: depois que termina.
Mas não terminou. E toda vez que eu ouço que faz parte da minha missão continuar o seu trabalho, eu sinto orgulho. Sinto que faz sentido e isso me deixa extremamente feliz. Só que eu sou sua filha, né? Então a forma como as coisas acontecem nunca vai ser compreendida para quem tá de fora. De fora eles só vêem a loucura, o surto, o berro e o descontrole. Assim como eu também via, eles só vêem a emoção. Nossa razão é mais secreta, é o nosso segredo. E eu prefiro que seja assim.
Parabéns Popi Pai.
E obrigada.

P;S: coitada da mãe, né! Hahahahahaha!