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Showing posts from April, 2020

o cervo

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Na floresta o silêncio é cortado apenas pelo barulho surdo de pássaros e pequenos animais que convivem em paz e à distância, evitando assim o contágio por corona vírus. O sol corta com dificuldade a copa densa das árvores imponentes que se aglomeram de máscara, e forma desenhos geométricos e precisos no chão à nossa frente, dando palco para as partículas de esperança que dançam refletidas em luz. Tudo é muito calmo e nós esperamos pacientemente há mais de 11 dias, parados no mesmo lugar. Levantamos apenas para as necessidades fisiológicas que se multiplicam exponencialmente e para buscar o ifood, que chega sorrateiro na portaria e não pode subir. Observamos a natureza pura que transcorre na frente dos nossos olhos com a justiça e paciência característica de Jesus, que se não nos abandonou ainda, saiu para comprar cigarro já há muito tempo. Ainda assim esperamos, e em silêncio, porque qualquer movimento brusco pode colocar tudo a perder. Horas viram dias, expectativa derrete em decepçã

Rosa

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Hoje eu perdi uma amiga que nunca ganhou textão no meu instagram porque nem foto junta a gente tem. Nunca jantou aqui em casa, não conheceu meu gato nem me viu surfar. Uma amiga que chegou trazendo más notícias sem massagem, que me falou a real como a real era: horrível. Mas uma amiga tão foda que aquela foi a última má notícia que ela me deu, e comemorou comigo cada pequena vitória que formaram minha maior vitória. Minha amiga de anos, que falava rápido e ria alto. Que sempre dizia que não precisava dar presente, mas adorava ganhar. E que foi ela um presente que eu ganhei pra conseguir atravessar a pior fase da minha vida. Uma amiga tão alegre, tão absurdamente inteligente e competente, tão respeitada e educada, tão querida por todos, que fica impossível começar a compreender porque ela foi embora.  Hoje eu choro de tristeza porque eu não tenho força pra ficar revoltada. Não tenho nem por onde começar a questionar, não tem um primeiro fato que eu entenda pra depois achar a parte do

copiares

Amor, é que faz tempo que cê me ligou, mandou mensagem, sumiu de novo, caraio... e eu fiquei aqui a procurar motivos que justificassem a tua falta, amor, passando um pano absurdo que tô até com dor nas costas. E tipo, não é pedindo pra você ficar porque eu já passei dessa fase, né? Já matei o chefão e tal mas se quiser eu nem vou reclamar porque a gente se diverte batendo uns papos, daí sei lá. Por que será que eu fico tãofeliz quando você aparece? O que no fundo o meu coração quer dizer é que eu te amo demais, e tudo que eu faço, todo meme que eu vejo, toda foto engraçada e pensamento maluco me lembra você.  Enquanto você me dizia que iria ser pra sempre nós, esse monte de conversinha sem vergonha que é a tua cara mandar pra todo mundo, o mundo acabava em promessas porque eu acreditei em tudo. E ainda estamos sós.  Essa é a minha última carta de amor. (Eu falei isso da última vez). Obrigada, Lourena.

Umbanda for Dummies

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Hoje é dia de Ogum, um daqueles dias quando todo mundo é um pouco umbandista/candomblecista e sente essa conexão forte com o Orixá, que nem no dia de Iemanjá e quando o povo pula 7 ondinhas. Não tem problema não, viu? A umbanda tem dessas de abraçar todo mundo de todas as religiões, pode curtir uns dias de macumbeiro que é gostoso demais mesmo, a gente entende. Apesar de ser uma umbandista fora do armário, o que infelizmente é um privilégio que muitos irmãos de fé não têm por conta de preconceito no trabalho ou na família, eu tenho muito cuidado pra falar de religião com as pessoas. Não quero nunca passar a impressão de estar impondo minha opinião sobre qualquer outra, porque religião é isso, é opinião pessoal. Eu escolhi louvar Deus e me conectar com a espiritualidade desse jeito específico, chamar essas energias desses nomes específicos, meu Ogum e seu São Jorge, tudo é sincretismo. Você aí de casa se quiser chamar de Allah, gnomo, big-bang-theory, sei lá, faça como achar melhor e

de olhos bem fechados

A gente se parece tanto e se ama tanto que eu quase perdi você porque eu me perdi de mim. Soltei sua mão na primeira oportunidade, mas é porque eu tava fazendo os meus próprios corres. Tá uma barulheira aqui, né? Uma gritaria. Foi difícil te achar aí escondida. Agora eu preciso que você levante e tente me ouvir. Eu continuo discordando de tudo mas não vim aqui dar o contra de nada. Vim dizer que apesar de tudo eu te entendo. Acho que todo mundo já passou uma parte da festa aí nesse canto, talvez a maior parte da festa. Alguns nunca saíram. Aí, de olhos bem fechados, tapando os ouvidos com as mãos. Por vezes esse é o único jeito de sobreviver e de não enlouquecer, então eu te entendo. Não é fácil virar pra pista, não é fácil abrir os olhos e enxergar o que vem acontecendo no mundo desde que a festa começou. As luzes são muito fortes, machucam. Você fecha os olhos porque se abrir, nada mais faz sentido. É mais fácil negar, de alguma forma achar a culpa e a justificativa que explique o i

oração

Meu pai Olorum, hoje eu venho antes de mais nada te pedir perdão, porque o que eu mais tenho feito é pecar. Tenho pecado, Deus, porque fica cada vez mais difícil lembrar que Teus filhos todos são meus irmãos e eu preciso a todo tempo parar de pensar meus pensamentos não lá tão cristãos. Perdoe meus pensamentos, Senhor.  Perdoe porque tem sido muito difícil praticar aquilo que é o mais básico da minha religião, e de qualquer religião, na verdade, que é o puro amor. Tem sido muito difícil amar nos últimos dias, mais ainda nas últimas horas. Sei que Tu me sondas, com o perdão do meme, e que me mostra em cada detalhe da vida que o amor está presente, e eu amo, Senhor, amo tudo aquilo que me ama também. Mas tenho falhado miseravelmente em amar o que não me ama, em lutar a luta a que me propus aqui nessa Terra. Não sei se me falta força, Senhor, mas não falta fé em Oxalá para pedir a Ogum que me empreste sua espada, e que Xangô ilumine meus olhos com a justiça que se afogou no meu ódio. C

throwback inter

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Era pra eu estar vomitando corote de menta agora, depois de ter dormido mal pelos mais diversos motivos que eu nem ia lembrar depois. Eu ia rir da cor do gorfo, talvez. Eu ia pensar "que bom que foi menta que pelo menos o hálito tá ok". Daí eu ia lembrar que eu tenho 32 anos e ficar com vergonha das minhas atitudes. Depois ia pensar "ah, foda-se". Eu ia voltar pra minha barraca que eu estaria ou não dividindo com alguém, e ia xingar o sol excessivo ou a chuva, porque eu estaria um pouquinho mau humorada. Mas aí eu ia comer um pão na chapa da padaria mais próxima ou avistar um crush sem camisa e tudo ficaria melhor. Eu ia animar pra tenda fake que nada mais é do que beber mais corote de menta e canelinha em algum canto do aloja, onde tradicionalmente uma galera estaria com uma caixa de som tocando itanhaem só moleque loko em loop infinito. Eu ia gritar nessa hora, sem contexto. Eu gosto de gritar sem contexto. A Bruninha ia rir de dentro da barraca dela e a Fernan

meu aniversário vinte vinte

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Falar que eu já passei aniversário de tudo que é jeito é muito abrangente, até porque eu tô fazendo só 32 anos então nem teve tanta opção assim (não teve!). Mas posso dizer que passei já alguns aniversários em situações malucas. Já passei no McDonalds, em casa, na casa de alguém, viajando, já passei no meio do mar com a branca de neve pessoalmente me dando parabéns e me pagando 1 shot de tequila, já passei com amigos, com família, com macumbeiros (que é a soma das duas coisas), com festão, festinha, festa esquisita, festa surpresa perfeita depois de surfar, festa de 15 anos, dai pouco tempo depois festa de 30 anos e cada um deles foi perfeito e maravilhoso à sua maneira. Mesmo aquele que eu tava meio com câncer e tal, sem cabelo, não sei se as pessoas sabem mas abril foi o pior mês da primeira fase do tratamento, eu real vi a luz e se eu levantasse as mãos, Deus puxava. Não levantei, que eu não sou besta - apesar de existir uma parte de mim que acha que eu levantei sim e todo o resto

modo avião

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Eu sei que dá medo de largar a corda de vez, mesmo que ela esteja queimando nossa mão conforme o grande peso do contexto mundial puxa as estruturas de tudo pro chão. Mas pode soltar sim, confia em mim. Pode largar mão das coisas que você considerava mais importantes, não tem perigo. O tempo permanece eterno enquanto dura pra você correr atrás dos quilos que ganhar ou de qualquer coisa que que venha a perder, deixa tudo pra depois. E se o depois não vier, você vai querer ter comido aquele cachorro quente ao invés de estudar esperanto. Fica tranquilo, o prazer consegue mediar a vida sem exagero, e talvez essa seja a grande lição que a gente* precise aprender. Nosso instinto natural humano tá sempre puxando pro prazer, mas a castração da produção ensinou que ele era errado, que ele era o pai de todos os pecados capitais. Luxúria é contraproducente, gula também. Não sei quais são os outros, talvez eu tenha errado na metáfora. Paciência. Também não dá pra crescer bicho livre cagando na r

a vista à prazo

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É muito difícil reclamar de alguma coisa sabendo que essa é a vista da minha janela, sabendo que até nos momentos em que eu tô mais fudida, eu ainda sou muito abençoada. Mas é difícil no sentido de ser um problema mesmo, de ocupar boa parte dos meus 50 minutos semanais essa dificuldade de me achar merecedora de sofrer. Foi e tem sido um puta processo entender que mesmo com essa vista, tudo bem ter vontade de chorar. Se tudo for depender do outro que tá pior que eu, minha dor nunca vai ser validada. Tem sempre alguém pior que eu. Então, sem abandonar a empatia de vez mas tentado deixar ela de lado, eu consigo enxergar melhor onde dói - porque é isso, muitas vezes eu nem sei onde é que tá doendo. E agora, aqui, sozinha, sem vizinho dos lados nem em cima nem embaixo, completamente isolada, fica também mais fácil saber só de mim. Deixar o bagulho rolar, sem medo. Ouvir o que eu tô falando com a certeza de que só eu vou ouvir e sendo pra mim mesma uma audiência menos condenatória. A vista