a vista à prazo

É muito difícil reclamar de alguma coisa sabendo que essa é a vista da minha janela, sabendo que até nos momentos em que eu tô mais fudida, eu ainda sou muito abençoada. Mas é difícil no sentido de ser um problema mesmo, de ocupar boa parte dos meus 50 minutos semanais essa dificuldade de me achar merecedora de sofrer. Foi e tem sido um puta processo entender que mesmo com essa vista, tudo bem ter vontade de chorar. Se tudo for depender do outro que tá pior que eu, minha dor nunca vai ser validada. Tem sempre alguém pior que eu. Então, sem abandonar a empatia de vez mas tentado deixar ela de lado, eu consigo enxergar melhor onde dói - porque é isso, muitas vezes eu nem sei onde é que tá doendo. E agora, aqui, sozinha, sem vizinho dos lados nem em cima nem embaixo, completamente isolada, fica também mais fácil saber só de mim. Deixar o bagulho rolar, sem medo. Ouvir o que eu tô falando com a certeza de que só eu vou ouvir e sendo pra mim mesma uma audiência menos condenatória. A vista é bonita mesmo e tudo bem se ela não for suficiente pra segurar o dia inteiro. Tudo bem também se emocionar de verdade com a beleza do mundo, mesmo que derradeira, mesmo que talvez nas últimas, mesmo apesar de tudo... 
Os dias agora eu chamo de horas, o que eu sinto agora eu chamo de agora e o aqui dentro agora eu chamo de lá fora.