modo avião

Eu sei que dá medo de largar a corda de vez, mesmo que ela esteja queimando nossa mão conforme o grande peso do contexto mundial puxa as estruturas de tudo pro chão. Mas pode soltar sim, confia em mim. Pode largar mão das coisas que você considerava mais importantes, não tem perigo. O tempo permanece eterno enquanto dura pra você correr atrás dos quilos que ganhar ou de qualquer coisa que que venha a perder, deixa tudo pra depois. E se o depois não vier, você vai querer ter comido aquele cachorro quente ao invés de estudar esperanto. Fica tranquilo, o prazer consegue mediar a vida sem exagero, e talvez essa seja a grande lição que a gente* precise aprender. Nosso instinto natural humano tá sempre puxando pro prazer, mas a castração da produção ensinou que ele era errado, que ele era o pai de todos os pecados capitais. Luxúria é contraproducente, gula também. Não sei quais são os outros, talvez eu tenha errado na metáfora. Paciência.
Também não dá pra crescer bicho livre cagando na rua por aí por conta da necessidade de se viver em sociedade que a gente tem, mas as regras que nos foram impostas faz tempo que não têm nada a ver com a ordem, e têm tudo a ver com o progresso. Produzir é a meta que enfiaram na gente goela abaixo e acima de todas as coisas. Um trabalho bem feito, que faz com que o homem jogue contra sua própria biologia de auto-preservação e chegue ao mais alto grau de insignificância existencial, ao superlativo absoluto do seu próprio ridículo, a ponto de defender o abstrato da economia sobre a sua própria vida. A passagem ao ato diária que a gente vive, vê e acha normal, expressa na disfunção comum a todos, em corpos que preferem se matar de dentro pra fora do que viver o vazio do concreto puro e sem propósito, no suicídio psicossomático do adoecimento contemporâneo. 
Então esquece essa merda. A gente tá vivendo um presente que não teve passado e que não tem futuro, numa sem-precedência homônima ao motivo pelo qual você tem que urgentemente esquecer essa merda. Esquece essa merda de produzir a qualquer custo (seu próprio custo!), esquece a burrice que é ignorar o dulce far niente e coloque você mesmo em modo avião, economia de energia. Pode ser o fim dos tempos e pode ser que tudo volte ao normal amanhã, a única certeza é a incerteza. Então esquece essa merda, fazer porra de curso o cacete, aprender língua pra falar com quem? Teu cachorro? Esquece essa merda e vai fumar um cigarro, mesmo que você não fume. Adquira novos vícios. Estão revogadas as leis, é airport time todo dia, beba cerveja no café da manhã se você quiser. Foda-se. Foda-se tem que ser mais que uma palavra atraente pro título daquela merda de coach auto-ajuda que você gosta de ler. Mas leia se quiser, foda-se. Se preocupe só com o que é estritamente necessário porque a eminência do colapso total do modo de vida atual já gasta energia demais, o resto tem que ser prazer, é questão de sobrevivência. Reavalie as regras de convívio social e se não tem social no seu convívio, nem regra tinha que ter. Pode comer chocolate, fumar maconha, dormir com roupa de sair. Foda-se. Quando você precisar realmente produzir alguma coisa pra se sustentar, então que seja. Mas nas horas que não for, drogas, galera. Drogas. Pode matar o superego tranquilamente, você vai perceber que só se lambuza com o pode porque o não pode normalmente é forte demais. Enfraqueça ele que as coisas entram num equilíbrio osmótico e pode ser até que você faça exercício por escolha. Vai achar prazer em cozinhar comidas boas. Se pá vai até ler um livro por opção... mas deixe ela vir! Até lá, esquece essa merda e vá fumar um cigarro. 




*Nós, neuróticos privilegiados, que têm teto sobre nossas cabeças e comida nas nossas geladeiras.