Carta ao Mestre

    



Querido Mestre,

    Resolvi escrever pra te contar que ainda ano passado entrei em uma viagem incrível e dolorosa,  que começou quando ouvi de Karen rindo o que se conta chorando, de coisas que nunca tinha ouvido mesmo eu também sendo de Umbanda. Ali com cara de besta, depois de considerar as mais improváveis justificativas, me dei conta da minha branquitude. Não sei se pela primeira vez, mas com certeza pela última primeira vez. Não consigo mais desver, desaprender, andar pra trás. Nem quero. A angústia permanente que sinto tem mesmo que ficar aqui e nada do que eu te conte eu faço pra aliviar esse peso. O peso me move pra frente, me tira a paz que nenhum de nós deveria ter. 

    Nesse caminho eu li Pretitudes trazendo pra minha profissão e fui introduzida a uma psicologia antirracista. Fui ler Galeano pra passar um ódio decolonial e com as Ladinidades fui saber mais do velho barbudo, inclusive pra criticar e fazer nascer a vontade de revolução que o Jones mantém viva. Fui ouvir de Jaque as palavras mágicas de uma mulher de terreiro que é pra mim a referência de mulher de terreiro. E porque eu li Chimamanda, comecei a pensar na história única que sempre me contaram, Mestre, a história que você sempre me contou. 

    Se hoje te escrevo com serenidade, tenha certeza que não foi sempre assim. Entrei em brigas com o meu passado, conflitos com a minha memória, bateu a nave na minha própria hipocrisia. Mas hoje entendo que é pelo que você também me ensinou, que eu posso te escrever essa carta, contando que eu continuo meu caminho sem só repetir o seu, como tenho certeza que você gostaria. É uma espiral que se expande cada vez mais, e que volta pro início antes de começar de novo, como o ponto riscado do Erê e do Marinheiro. Eu saio de onde você parou porque você na verdade nunca saiu. E escuto todo dia o David me falar sobre coisas que eu não sabia sem ter medo de reescrever uma história que parecia concluída. A Liz já disse e eu repito feliz: se tem uma coisa que a gente pode mudar, é o passado. O meu muda a cada presente do futuro, e cada vez eu sei que te amo mais. 

    Obrigada.