o alasca

Quero contar pra você - é, você! - da primeira vez que eu fui pro Alasca. Essa frase é meio burguesinha porque implica em eu ter ido mais de uma vez pro Alasca, uma das partes mais remotas do nosso planeta. Mas você sabe que eu fui trabalhando e que o mais de uma vez é porque os cruzeiros eram semanais e eu fiquei 4 meses nesse roteiro. Enfim. Alasca.
Eu sendo brasileira na condição de indo pro Alasca só conseguia pensar no frio, temer o frio, tremer de frio. Eu odeio frio, sinto muito frio, 21ºC pra mim já é motivo de blusão. Eu tava apavorada. E era apenas nisso que eu conseguia pensar. Então no primeiro cruzeiro eu estava tensa demais. A gente saía do porto de Seattle, que já tava um frio da peste, e subia pro Alasca. Vou ilustrar esse post, embora saiba que não será suficiente.
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Aqui tá falando que saía de Vancouver mas na minha época era Seattle e fazia uma parada em Victoria, uma ilha maluca do Canadá onde tem praia, neve e fazenda. E onde o primo do meu pai mora há 30 anos e eu pude ser a primeira pessoa da família a visitar ele lá.

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Tá, voltando ao primeiro dia. Daí eu tava preocupada só com isso e porque através das janelas do clubinho, que eram grandes mas ficavam na direção dos botes salva-vidas então não dava pra ver muita coisa, às vezes eu via uns iceberg e eu cagava de medo, eu gritava toda vez. Meus amigos gringos que estavam de regata falavam "calma, brasileira, é só gelo". Foda-se.
Aí no primeiro dia de navegação, como você pode ver pelo mapa, a gente ia pra geleira de Tracy Arm, que é tipo um rio que vai entrando pelos corredores de montanha e ficando cada vez mais estreito até chegar em gelo, o caminho termina em gelo. Aí o navio ancora ali e a gente fica o dia inteiro parado, sem descer do barco porque não tem nada lá, só natureza. Eu achava esse conceito meio chato. Ah! E apesar de eu trabalhar na parte interna do navio, nos clubinhos, tinha uma quadra na parte externa e fazia parte da programação das crianças que a gente levasse eles pra lá, pros bichinhos verem a vista, sei lá, pegar um sol que aquelas crianças não sabem nem pra que lado fica o sol. Beleza. Então fazia parte do meu dia passar algumas horas lá fora com eles e eu tava temerosa desse momento, por causa do frio. Só que nesse dia tinha uma coisa meio diferente no meu schedule: ele era dividido em bloquinhos de meia hora e a cada meia hora você tava fazendo alguma coisa. Antes dos bloquinhos que indicavam que eu estaria lá fora tinha um bloquinho de meia hora vazio, sem nada. Fui perguntar pro Kevin, que era meu chefe:
- Kevin, what the fuck am I supposed to do during this time?
*zuera eu não falava assim com ele*
*zuera dois, eu não vou contar essa parte em inglês kkkk*

- Kevin, por que tem um bloquinho vazio antes de subir com as crianças?
- Porque você nunca veio pra cá, né?
- Não mas e dai?
- E daí que eu quero que você suba antes pra ver como é.
- Pra acostumar com o frio?
- É... pra acostumar....

Beleza. Lá vou eu pro meu bloquinho que eu considerei até dar um miguézão pra não ter que somar 30 minutos na minha contagem de congelada. Sobe Natália com blusa de lã, jaqueta, duas calças, touca, luva, 3 meias, quase sem conseguir me mexer. Abro a porta pro lado de fora.
V I A D O !









VIAAAAAAAAAAADO!
















QUE ISSO????











É O QUE QUE TÁ ACONTECENDO???

















QUE???

















E essas partes em branco era porque eu não tava nem respirando. Eu entendi ali o conceito de BREATHTAKING, literalmente de tirar o fôlego, eu fiquei SEM AR de TÃO BONITO que era aquilo. Era mano, BONITO! Um bonito que eu não sei explicar porque nem entra no meu conceito de bonito, era outra coisa. Se eu penso em paisagem bonita eu não penso naquilo, eu penso em sol, mar, sei lá. Aquilo era uma outra palavra que ainda não existe. É pra além do bonito, era de outro mundo. Eu tava em outro mundo. As montanhas tão pertinho do barco que a impressão que dava era que a gente podia encostar. O gelo da geleira derretido era absurdamente transparente e deixava a água cristalina. A geleira em si era um mix de azul turquesa com branco INDESCRITÍVEL. Tava um puta dia lindo, solzão, céu azul, passava aqueles gaviãozão americano gritado FREEDOM, a olho nu a gente via ALCE broder, a gente via URSO! URSO É MUITO GRANDE IRMÃO! E tudo aquilo acontecia ao mesmo tempo, com um cheiro que eu nunca senti antes mas era bom! E nem tava frio! Que frio? Eu não tinha capacidade de sentir nada além do bonito que tava entrando em mim. E eu comecei a pensar sobre onde eu tava e como que eu fui parar NO MEIO DO GRANDE NADA GELADO, no teto do planeta, como eu vim parar aqui eu só tenho 6 anos, como pode Deus ser tão top, como que eu pude merecer aquela BELEZA toda.
Respira. Pensa nisso tudo de novo.
V I A D O!
Vou colocar umas fotos aqui mas chega a ser feia as fotos perto do que era de verdade:
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Eu falei tanto palavrão naquele dia que graças a Deus não tinha um único passageiro brasileiro pra me ouvir porque eu literalmente fiquei imóvel, olhão arregalado, balbuciando eita porra puta que o pariu caralho filhadaputa viado tá porra Jesus Maria José e o Camelo - em loop infinito.
MEIA HORA PRA ACOSTUMAR, KEVIN?
PORRA KEVIN EU PRECISARIA DE UNS 5 ANOS pra acostumar com aquilo, pelo amor de Deus! A meia hora passou voando e eu fui trabalhar sem me dar conta de que ainda existia vida que não fosse aquela visão. Aleluia, arrepiei. E arrepio toda vez que eu lembro, toda vez que eu conto essa história. Mas sabe por que eu quis te contar?


















Pra você entender porque eu demorei meia hora pra vir falar com você ;)