não cabe recurso

Queria deixar uma coisa bem clara, até por causa da comissão de ética: eu tô puta. Extremamente puta, one hundred percent putassa. Eu não sou o ser evoluído que você pensa, eu não tô lidando com isso tudo de forma iluminada e inspiradora. Eu tô puta. Sem entender e sem opção a não ser aceitar. Não cabe recurso, eu não posso fazer absolutamente nada em relação a essa situação. Eu tô presa. E puta.
Não sei se isso afeta minha fé, ou como afeta minha fé. Não me sinto abandonada nem desprotegida. Não esqueci da minha sorte e do quão abençoada eu sou. Mas meu Deus do céu, eu preciso de 5 minutos pra ficar puta. Pra ficar desolada com tudo e até em desespero. Não perdi a fé, não posso perder. 
Até porque, pode piorar. De hoje até a cirurgia, talvez até semanas depois da cirurgia eu tenho que segurar a onda porque pode piorar. Ainda não posso perder o fôlego de tanto chorar, não posso começar a elaborar o luto. Pode piorar e eu morro de medo da vida gritar comigo TU TAVA ACHANDO RUIM, QUERIDA? E ela grita, viu. Eu tenho medo de chorar porque parece que eu não aprendi nada, aí ela volta. Porra. Ainda não sei porque eu tô passando por isso, mas eu já tô puta. Parece piada de mau gosto, written by Shonda Rhimes. E agradeça por estar viva.
Você me conhece minimamente e já me ouviu falar do Bernardo. Já me ouviu falar da Maria Clara. Desde que eu me entendo por gente eu quero ser mãe. Eu era a prima favorita dos meus primos pequenos, eu sempre gostei de criança, desde que eu era uma. Nunca fui a menina-padrão que brincava de Barbie, tive uma infância quase que completamente de menino. Quase. Porque eu amava meu boneco que eu chamava de Renato. Eu sempre quis ser mãe e eu tô muito puta. 
Eu sei, claro, que existem mil formas de canalizar esse amor de mãe que eu tenho pra dar. Eu sei que o futuro não precisa ser sem filhos e que existem milhares de crianças na fila de adoção que podem chamar minha mãe de vó. Eu sei. Eu penso nisso. Mas eu não preciso explicar minha dor de filha de Iemanjá que não vai poder mais gerar, tudo se resume a todas as mulheres que foram unânimes em me dizer "eu não sei o que te falar". Não cabe mesmo em palavras, meninas. Eu também não sei o que falar.
Mas eu tô puta.