pra não dizer que não falei do vô

Acredito de verdade e sem demagogia que eu esteja passando por coisas que eu preciso passar. Uma doença, uma situação onde eu esteja vulnerável e precise de ajuda, um tiro na minha independência quase arrogante, mas que eu sempre sustentei com a vontade de não atrapalhar ninguém. Em algum nível, era eu não querendo demonstrar fraqueza. O fato de eu não querer encontrar amigos e nem a família enquanto eu estou careca, inchada e debilitada mostra que eu ainda guardo essa mania besta. Que besta!
Ao mesmo tempo respiro quase que aliviada por ter uma doença absolutamente cu mas tratável, de onde eu vou sair com o corpo intacto, cicatrizes simbólicas (fora a da barriga) e provavelmente um cabelo mais bonito. Um quadro completamente reversível, que só se instalou no momento que eu tinha segurança, esclarecimento e maturidade suficiente pra aguentar.
Além disso, meu avô. Meu avô nunca foi aquele cara parceiro que levava os netos pra brincar ou que a gente quisesse dormir na casa dele. Pelo contrário, minha memória dele na infância é dele xingando a criançada por causa do barulho, dando bronca na gente e 50 reais nos aniversários e natal. Cresci e a coisa não mudou muito, o conservadorismo inevitável fez com que ele obviamente gostasse mais dos netos do que das netas, principalmente porque os dois netos trabalham em empresas grandes no regime segunda-a-sexta-oito-às-cinco, enquanto uma neta viajava achando que tava trabalhando depois ficou eternamente desempregada e a outra só estuda. Mas ele passou a dar 100 reais de presente e uma vez eu tava prestes a embarcar pra europa e ele me deu o presente em Euro. 
No dia a dia, queria que minha mãe e minha tia vivessem aos pés dele e usava a fofura característica de um velhinho de quase 100 anos pra manipular as duas como bem quisesse. A vida inteira ele fez só o que quis, mas minha vó que levava a fama de louca. Ela até é louca, mas essa loucura tem grande participação da intolerância dele. 
Ele dizia que viveria até os 100. Esse sempre foi o plano, que nunca ninguém duvidou. Seguia firme e forte na missão, assim como eu seguia firme e forte na minha. Mas algo aconteceu comigo e com ele e de repente uma queda e um diagnóstico fizeram com que nós dois dependêssemos absurdamente da minha mãe. Uma mãe só. E aí parece que o plano mudou pra ele também e num último ato de altruísmo, fazendo um sacrifício que não lhe era característico, ele se foi. De um jeito não-macabro e perverso, eu agradeço por isso. E talvez tenha sido necessário essas últimas consequências pra que, de uma forma subjetiva e absolutamente suposta, uma cabeça teimosa mudasse na sua teimosia e largasse o osso. Talvez eu não precise esperar tanto pra largar os meus.