rascunho

Sempre tive meio com a impressão de que Tropa de Elite 2 contrariava o Tropa de Elite 1 porque no primeiro parecia que policial corrupto era exceção e no segundo ficou bem claro que é a regra. Fico pensando se o José já sabia de tudo no primeiro e quis fazer uma média ou se ele realmente acreditava naquilo e depois quebrou a cara, tal e qual seu protagonista gostosíssimo. Jamais saberemos. Mas eu, em minha versão bem menos emocionante dessa comparação, venho alertar para os perigos do uso abusivo do meu post modo avião, dos quais eu me dei conta recentemente. Não quanto ao conteúdo manifesto, porque eu continuo achando que se forçar a produzir nunca deveria ser prioridade de ninguém, muito menos agora. Já o latente... 
Não sei se realmente cheguei a falar tudo que eu penso sobre essa coisa do modo avião mas é meio que um modo de sobrevivência, muito utilizado por mim em infelizes diversas situações. Ou uma situação só, que emendou nas outras e segue aqui comigo até hoje, desde 2013. Meu próprio jeitinho de negar & viver. Abstrair & viver. Sobreviver. 
Existem dores que ultrapassam nossa capacidade de sentir e elaborar. Aliás, todo sentimento tem sua própria pane, tipo a bolsa quando cai mais que 10 mil pontos e ativa o circuit breaker pra evitar desastres maiores. Nas referências desse post tem o vídeo da Kristen Bell que é inexplicavelmente apaixonada por bicho preguiça e aí o namorado dela aluga (?) um bicho preguiça no aniversário dela e ela ~morre. Ela sente que havia um bicho preguiça no recinto e tem um ataque de pânico, deita na cama e chora copiosamente em estado do mais absoluto choque. De tanta alegria. Saia imediatamente desse texto e vá assistir o vídeo que é excelente. 
...
Voltando. Sim, a gente consegue processar as coisas mas a gente tem um limite e quando a coisa passa desse limite, alguma coisa acontece. Só posso falar por mim porque o alguma coisa de cada pessoa é diferente, mas eu inconscientemente e imediatamente falo: não. E boa, segue a vida. Modéstia a parte, esse é um excelente circuit breaker, porque além de tudo eu misturo com muito humor e piadas e sou completamente corroborada pela minha religião, que eu dobro pra caber certinho em mim. Sou mestre doutora nessa negação eufemística, assim apelidada carinhosamente pelo meu psicólogo. Não é uma negação primitiva e dissociativa, é um mecanismo complexo e inteligente que busca na puta que o pariu uma coisa boa pra tornar aquilo suportável, economizando em mim todo o trabalho de elaborar, excluindo de mim qualquer necessidade de luto. Pelo menos ele não sofreu. 
Aí vira tipo o filme Click que o Adam Sandler senta a mão no fast forward em toda coisinha ruim que aparece. Eu me acostumei tanto a procurar um lado bom, passei tanto pano pra vida, que chegou um ponto em que eu não sei mais sentir dor, nem que eu queira. E eu quero. A situação terrível que a gente tá vivendo hoje foi uma crescente de desgraça desde o golpe, e desde ali eu já me recusava a acreditar que o país chegaria a esse ponto, que possam existir pessoas tão filhas da puta. Existem. Aliás, existe em toda pessoa a capacidade de ser incrivelmente filha da puta mas o bolsonarista é o superlativo absoluto. Enfim. A questão é que eu vinha negando tudo porque tudo tava ficando insuportável, e em pequenas medidas é até saudável que você não passe o dia inteiro pensando em pessoas passando fome, crianças sofrendo violências diversas, todas as injustiças do mundo. Mas daí parei de assistir jornal, silenciei palavras no twitter, mudava de assunto e toda vez que eu deixava uma frestinha aberta e o ódio entrava, eu me sentia culpada em xingar e querer matar pessoas. Tentava procurar logo um fio de empatia em que eu pudesse segurar, colocava fone de ouvido pra não ouvir buzinasso. Eu não lido. E agora esqueci como faz. 
Até aqui, meus amigos, vocês podem estar pensando que tá tudo bem né? Que vida tranquila essa de quem não sofre, como eu. Mas se você assistiu Click até o final (deveria) viu que nessas de não sentir a gente passa a não sentir nada, nem raiva, nem tristeza, nem alegria, nem amor, nada. Um eletrocardiograma de linha reta, um coração que tá morto por dentro. O Bonner quando comeu o cu do país em rede nacional tava falando especificamente comigo, e pra mim. Mas talvez todo mundo esteja um pouco anestesiado dessa merda toda.

Ah, cansei desse texto. Ele não vai pra lugar nenhum e eu não escrevi o que eu queria de verdade. Mas fica a referência da Kristen Bell aí pra vocês.