ah, o cidadão de bem!

- QUERO JUSTIÇA!, diz a mulher do empresário que levou um tiro em uma tentativa de assalto. Ele passa bem, graças a Deus e ao Sírio Libanês, para onde foi levado às pressas e operado pelos melhores cirurgiões do país.

A moça tem razão em querer justiça. O marginalzinho deveria levar um tiro também, pelo menos. Pra ver se assim acabava com essa violência no Brasil.
Só queria saber da moça onde estavam os pedidos de justiça quando o marido nasceu na maternidade Santa Joana, num parto humanizado e assistido pelos parentes e amigos, que trouxeram presentes e amor para o recém-chegado. E o marginalzinho sobreviveu à gravidez de uma mãe que fumava crack, num hospital público ou no meio da rua, onde também passou a maior parte da infância e adolescência. Diferente do cidadão de bem, que brincou no parquinho do prédio e foi seis vezes pra Disney conhecer o Tio Patinhas, que era seu maior ídolo. Tio Patinhas também era o nome do traficante que começou a dar dinheiro pro marginalzinho levar umas encomendas pra um pessoal que ele conhecia à guisa de primeiro emprego. Assim cresceram os dois e eu nem preciso contar pra você que na história de um teve escola, carinho e comida, e na do outro teve desgraça, desgraça e desgraça. Tale as old as time. 
Mas ainda assim, só quando o marginalzinho atira no agora empresário é que ele ouve falar em justiça pela primeira vez. Quisera ele levar um tiro também. Ter vivido até aqui a vida que o outro levou, mesmo que significasse um tiro agora.

Todo mundo quer justiça, moça.